sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sofrimento e Morte de Cristo do Ponto de Vista Médico

O sofrimento físico de Jesus começou no Getsêmani.

Jesus no Monte das Oliveiras - um raro fenômeno: Hematidrose

Antevendo o sofrimento que viria, Jesus Cristo suou sangue. Em Lucas diz: "E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra." (Lc 22:44)


Jesus no Monte das Oliveiras (1460). Andreas Mantegna.

Apesar de muito raro, bem documentado na literatura médica é o fenômeno físico de suor de sangue, denominado hematidrose. Nesse caso, atenção médica imediata é necessária para prevenir hipotermia. Em resposta a um stress emocional, há um aumento da secreção de substâncias químicas que rompem finos capilares nas glândulas sudoríparas, misturando assim o sangue com o suor. Este processo pode causar fraqueza e choque.

O Sofrimento Físico de Jesus

Um soldado romano vai a Jesus com o flagrum (açoite) em sua mão. Este é um chicote com várias tiras pesadas de couro com duas pequenas bolas de chumbo amarradas nas pontas de cada tira. O pesado chicote é batido com toda força contra os ombros, costas e pernas de Jesus. Primeiramente as pesadas tiras de couro cortam a pele. Depois, os tecidos debaixo da pele, rompendo os capilares e veias da pele, causando marcas de sangue, e finalmente, hemorragia arterial de vasos da musculatura
.
O Flagelo de Cristo. William A. Bouguereau

As bolas de chumbo primeiramente produzem enormes, profundos hematomas, que se rompem com as subseqüentes chicotadas. Finalmente, a pele das costas está pendurada em tiras e toda a área está uma irreconhecível massa de tecido ensangüentado.

O Cristo Coroado

Sobre sua cabeça cravaram-lhe a coroa de espinhos. Lembremos que as veias que drenam o couro cabeludo são avalvuladas, contribuindo assim para que o sangramento da cabeça seja expressivo (o couro do crânio é uma das regiões mais irrigadas do nosso corpo). Novamente, há uma intensa hemorragia; soma-se a isso a dificuldade das bordas da ferida na pele se aproximarem espontaneamente; a tendência da ferida é se abrir, o que se deve a tração provocada por dois músculos de ações antagônicas, frontal e occipital, que são unidos pela gálea aponeurótica.

Coroação de espinhos. Caravaggio

Cristo Carregando a Cruz

A cruz que lhe impuseram tinha, segundo dados históricos, 2,34 x 2 metros e, aproximadamente, 22Kg. A pesada barra horizontal da cruz á amarrada sobre seus ombros, e a procissão do Cristo condenado, dois ladrões e o destacamento dos soldados romanos para a execução, encabeçado por um centurião, começa a vagarosa jornada até o Gólgota. Apesar do esforço de andar ereto, o peso da madeira somado ao choque produzido pela grande perda de sangue, é demais para ele. Ele tropeça e cai. As lascas da madeira áspera rasgam a pele dilacerada e os músculos de seus ombros. Ele tenta se levantar, mas os músculos humanos já chegaram ao seu limite.


Cristo cai no caminho do calvário (1517). Rafael Sanzio. 

A Crucificação

Não raramente, os pintores e a maioria dos escultores de crucificação mostram os pregos cravados nas palmas das mãos. Como exemplo, as pinturas de Rafael Sanzio e Velázquez:

Crucificação (1502-03). Rafael Sanzio

O Cristo. Velázquez.

Contos romanos históricos e alguns trabalhos experimentais estabeleceram que os cravos foram colocados entre os ossos pequenos dos pulsos (radial e ulna) e não pelas palmas. Do ponto de vista médico é óbvio supor que os pregos não foram cravados por entre os ossos do metacarpo, pois entre esses ossos existem músculos, dentre eles os lumbricais, frágeis e incapazes de suportar o peso de um homem crucificado. Anatomicamente, um prego capaz de suportar o peso de um homem crucificado, teria que penetrar no carpo. Pregos colocados pelas palmas sairiam por entre os dedos se o corpo fosse forçado a se apoiar neles. O equívoco pode ter ocorrido por uma interpretação errada das palavras de Jesus para Tomé, “vê as minhas mãos”.

Uma crucificação retratada corretamente pode ser vista em Brasília, na Paróquia do Santuário Dom Bosco, em escultura do artista Gotfredo Traller:

Crucificação. Gotfredo Traller.

Em Jesus Cristo, provavelmente o prego foi colocado entre os ossos escafóide, semilunar e capitato. Houve intenso sangramento no momento em que os pregos foram cravados no carpo. É de se supor que a hemorragia excessiva fora provocada pela artéria ulnar, rompida provavelmente antes de emitir como ramo terminal o arco palmar superficial.

O pé esquerdo agora é posicionado de modo que fica na frente do pé direito (na pintura abaixo: erroneamente Mathias Grunewald retratou o pé direito sobre o esquerdo), e com ambos os pés estendidos, dedos dos pés para baixo, um cravo é batido através deles, deixando os joelhos dobrados moderadamente. O sangramento abundante do pé também contribuiu para a morte de Cristo. Tal hemorragia fora provocada pela laceração da artéria dorsal do pé, ramo da artéria tibial anterior, próximo à emergência do ramo tarsal lateral.

A Crucificação do Altar de Isenheim (1516). Mathias Grunewald

É provável que os pregos tenham sido transfixados nas intermediações dos ossos cuneiformes, intermédio e lateral.

A Morte de Cristo

Enquanto seus braços se cansavam, grandes ondas de cãibras percorriam seus músculos, causando intensa dor. Com estas cãibras, veio a dificuldade de empurrar-se para cima. Pendurado por seus braços, os músculos peitorais ficaram paralisados, e os músculos intercostais incapazes de agir. O ar pôde ser aspirado pelos pulmões, mas não pôde ser expirado. Jesus lutou para se levantar a fim de fazer uma respiração. Finalmente, dióxido de carbono foi acumulado nos pulmões e no sangue, e as cãibras diminuiram. Esporadicamente, ele fora capaz de se levantar e expirar e inspirar o oxigênio vital. Sem dúvida, foi durante este período que Jesus conseguiu falar as sete frases registradas no evangelho.

A Crucificação do Altar de Isenheim (1516). Mathias Grunewald

Acima: detalhe da cabeça e do tronco de Cristo evidenciando múltiplas escoriações. As pregas axilares estão retesadas, o abdome escavado e os lábios cianosados.

Confirmando a Morte de Jesus

Aparentemente, para ter certeza da morte, um soldado traspassou sua lança entre o quinto espaço das costelas, enfiado para cima em direção ao pericárdio, até o coração. O verso 34 do capítulo 19 do evangelho de João diz: "E imediatamente verteu sangue e água." Pela direção da lança até o mediastino, é de se supor que tenha havido lesão pleural, pericárdica e do coração e dos vasos da base, o que justifica haver jorrado água (líquido proveniente das serosas) e sangue.

Lembramos o Salmo 22 versículo 14 “Derramei-me como água, e todos os meus ossos se desconjuntaram; meu coração fez-se como cera, derreteu-se dentro de mim.”

O momento em que Cristo recebe uma lancetada no hemitórax direito pode ser visto na pintura de Rubens, exposta no Museu de Belas Artes da Antuérpia (Bélgica):

Cristo na cruz entre dois ladrões (1620). Pieter Pauwel Rubens.

Há várias teorias diferentes sobre a causa real da morte de Jesus. Uma teoria declara que Jesus morreu, não de asfixia, mas de um infarto do coração, causado por choque e constrição do coração por fluidos no pericárdio. Outra teoria afirma que Jesus morreu de ruptura cardíaca. A real causa da morte de Jesus, no entanto, parece ter sido multifatorial e está relacionada principalmente ao choque hipovolêmico, asfixia por exaustão e insuficiência cardíaca aguda. Uma fatal arritmia cardíaca pode ter sido o evento terminal.

A Vida, a Morte e a Ascensão de Cristo

Salvador Dali, o mestre do surrealismo, pintou uma tela em que, genialmente, retrata ao mesmo tempo a vida, a morte e a ascensão de Cristo. Esta obra é uma das raras crucificações que mostram corretamente o pé esquerdo posicionado sobre o direito. A cruz flutua sobre o mar da Galiléia. É interessante observar que na cruz, que ascende ao céu, se projeta a sombra do Cristo, mostrando o renascer do sol após as trevas que tomaram conta da Terra no momento em que o Salvador morreu.

Cristo de São João da Cruz (1951). Salvador Dalí.

A Ressurreição na Arte

A obra abaixo, que simboliza a ressurreição de Cristo, fora executada entre 1499 e 1502 e trata-se de uma das primeiras pinturas conhecidas do mestre do renascimento italiano Rafael Sanzio.


Ressurreição de Cristo ou Ressurreição Kinnaird. Óleo sobre madeira. Rafael Sanzio.

REFERÊNCIAS:
1.DAVIS, Truman. "A Crucificação de Cristo, a partir de um ponto de vista médico."
2.TERASAKA, D. "Medical Aspects of the Crucifixion of Jesus Christ." . Blue Letter Bible. 1 Jan 2000. 2010. 24 Dec 2010.
3.BEZERRA, Armando "Admirável mundo médico: a arte na história da medicina" - Brasília, 2002.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A Melancolia em "Hamlet" / William Shakespeare

Entender o ser humano em suas fraquezas, suas forças, suas felicidades, seus gozos e angústias, e desta percepção dar luz a uma das mais belas literaturas de todos os tempos, foi tarefa magistral do dramaturgo William Shakespeare.

No segundo ato da peça A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca escrita em 1600, encontramos sintomas característicos do que chamamos atualmente de transtorno depressivo:

HAMLET: De tempos a esta parte – por motivos que me escapam - perdi toda a alegria e descuidei-me dos meus exercícios habituais.Tão grave é o meu estado, que esta magnífica estrutura, a terra, se me afigura um promontório estéril. (ATO II CENA II)

POLÔNIO: [...] e ele - para ser breve - repelido, cai em melancolia a que se segue jejum, falta de sono, abatimento e distração. E assim, piorando sempre, cai na loucura em que ora se debate e nos punge. (ATO II CENA II)

Segundo a DSM IV, a depressão é caracterizada pela presença há pelo menos duas semanas de um dos sintomas obrigatórios: estado deprimido ou falta de motivação para as tarefas diárias, além de outros sintomas menores.

Humor deprimido: "De tempos a esta parte – por motivos que me escapam - perdi toda a alegria..."

Anedonia: “...descuidei-me dos meus exercícios habituais”

Através do personagem Polônio, o autor mostra que os outros sintomas presentes no episódio depressivo de Hamlet são: perda de apetite, insônia, fadiga e distração.

Durante a tragédia, Shakespeare marca o caráter do protagonista com uma notável manifestação de tristeza. A peça, que traça um mapa do curso de vida na loucura real e na loucura fingida, mostra que o dramaturgo, sem pesquisas e fundamentos científicos, mas com intuição e sensibilidade, percebeu exatamente como se comporta um homem acometido pela depressão.

William Shakespeare é um dos grandes artistas que marcou sua trajetória pela capacidade de perceber o comportamento humano sem utilizar metodologias científicas. A citação acima prova que às vezes as respostas não se encontram em cientistas, pesquisadores e doutores, mas com literatos, pintores, músicos, poetas, dramaturgos; aqueles que observam, sentem e criam.

LEIA TAMBÉM:

A loucura em "Hamlet" - Ofélia, a personagem suicida de William Shakespeare

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Síndrome de Hipermobilidade em "As Três Graças", de Rubens.

A síndrome de hipermobilidade, definida como o aumento anormal da mobilidade das articulações, foi descrita em 1967 por Kirk, Ansell e Bywaters como um distúrbio hereditário de tecido conjuntivo, associado com queixas musculoesqueléticas. A entidade é comum em mulheres jovens, com uma prevalência estimada de 5% na população adulta saudável.

É possível que características clínicas da síndrome de hipermobilidade familiar benigna e sinal de trendelenburg positivo estejam presentes em uma pintura de 1638, intitulada As Três Graças, de Peter Paul Rubens:


As Três Graças (1638). Peter Paul Rubens (1577–1640).Óleo sobre madeira, 181 x 221 cm. Museu do Prado, Madrid (Espanha).

Os achados mais evidentes são: escoliose, lordose, sinal de trendelenburg positivo, hiperextensão das juntas do metacarpo e pés planos.

Na pintura, a "graça" do meio mostra claramente a escoliose manifesta na forma de S na coluna e, curiosamente, ela está em pé sobre a perna esquerda e a nádega direita é descendente, em vez de para cima, como seria em uma pessoa normal, caracterizando o sinal de Trendelenburg positivo. O sinal, descrito por um cirurgião alemão chamado Friedrich Trendelenburg (1843-1924), é encontrado em pessoas com fraqueza da musculatura abdutora do quadril. O sinal de Trendelenburg é dito positivo se, quando o quadril de um paciente que está de pé sustentado por somente uma perna, cai para o lado da perna levantada. A fraqueza é presente no lado da perna em contato com o chão.

Devido à debilidade da articulação, o quadril pode ser instável na síndrome de hipermobilidade, o que explica o sinal de Trendelenburg positivo. Também a escoliose é observada numa grande parte dos portadores da síndrome devido a frouxidão articular em nível da coluna vertebral.

A inspeção minuciosa do quadro mostra que a "graça" à esquerda tem os dedos em hiperextensão tanto nas interfalangeanas distais quanto nas articulações metacarpofalangeanas do quarto e quinto dedos e pés chatos. Observa-se também que todas as três "graças" têm hiperlordose da coluna lombar.


Uma expressão de hipermobilidade das articulações dos dedos, que pode estar presente especialmente na síndrome de hipermobilidade familiar benigna, justificaria a presença da deformidade em pescoço de cisne na "graça" à esquerda.


Presumivelmente uma das mulheres retratadas na pintura é Hélène Fourment, segunda esposa de Rubens, e as outras são suas irmãs, sugerindo fortemente o diagnóstico de hipermobilidade familiar benigna.

Descobrir sinais de doenças em pinturas antigas confirma que os artistas – exímios observadores da natureza – descreveram, ou pelo menos registraram muitas condições patológicas antes que os médicos fizessem. A arte do passado é sem dúvida uma ferramenta útil no campo da paleopatologia.

REFERÊNCIAS:
1.DEQUEKER, J."Benign familial hypermobility syndrome and Trendelenburg sign in a painting ''The Three Graces'' by Peter Paul Rubens (1577-1640)". Ann Rheum Dis 2001 60: 894-89.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A Primeira Anestesia com Éter

Foi no Hospital Geral de Massachusetts, em 1846, que William Thomas Green Morton (1819-1868) usou com reconhecido êxito o éter pela primeira vez. Morton iniciou sua carreira como dentista e, mais tarde, matriculou-se na Escola de Medicina de Havard, onde o químico Charles Jackson forneceu-lhe o éter, assegurando que a substância poderia aliviar a dor.

Após conduzir experiências em cães, no dia 30 de setembro de 1846, Morton anestesiou um paciente antes de extrair-lhe o dente e a novidade foi publicada no Boston Daily Journal. O diretor do Hospital Geral de Massachusetts, o cirurgião John Collins Warren, permitiu que Morton usasse éter no hospital.


Primeira anestesia com éter (1894) Robert C. Hinckley (1853 – 1940). Óleo sobre tela, 243 x 292 cm. Biblioteca Médica de Boston. (Cambridge).

A pintura acima retrata a experiência ocorrida em 16 de outubro de 1846. Morton anestesiou, perante numerosa platéia, o jovem paciente Edward Gilbert Abbott, que caiu em sono profundo, enquanto Warren extraiu-lhe um tumor da mandíbula. Abbott acordou pouco depois do corte ter sido fechado e declarou não sentir nenhuma dor. Naquele momento foi constatado que se havia descoberto e provado perante inúmeros médicos e demais presentes um meio de anestesiar um ser humano, a ponto de permitir qualquer procedimento cirúrgico, por mais doloroso que fosse. O uso do éter como anestésico foi publicado dali a um mês, começando a ser usado em Londres no mês seguinte.

Morton ganhou a fama como “eterista”, mas a luta que travou com o Congresso americano para ser recompensado financeiramente por seu feito, e a ação de indenização que lhe moveu seu ex-professor Charles Jackson – que ensinou a Morton a ação do éter como anestésico - , fizeram-no enlouquecer. Morton morreu correndo, na miséria e sem destino, nas proximidades do Central Park.

No cinema: The Great Moment (1944) é um filme biográfico da Paramount Pictures dirigido por Preston Sturges. Baseado no livro The Triumph Over Pain ( 1940 ) de René Fülöp-Miller, o longa-metragem narra a história de vida e a contribuição à anestesiologia de William T. G. Morton.

REFERÊNCIAS:
1. BEZERRA, Armando "Admirável mundo médico: a arte na história da medicina" - Brasília, 2002
2. MARGOTTA, Roberto "História Ilustrada da Medicina" Editora Manole - São Paulo, 1998.
3.
Wikipédia – William Thomas Green Morton

domingo, 12 de dezembro de 2010

"O Ingênuo" de Voltaire

Uma pequena grande obra que revela a peculiar sensibilidade crítica do filósofo francês Voltaire, é o conto O Ingênuo, onde o protagonista é um hurão honesto e sincero, espantado com as ridículas convenções sociais da França do século XVIII.

Com seu estilo literário único, Voltaire se mostra um genial pensador iluminista que nos leva a meditar sobre nossos hábitos, religiões e, não raro, profissões

Em determinado momento, Voltaire ataca os “médicos da moda”, culpando-os pela piora do estado de saúde dos pacientes vítimas de um inadequado exercício da prática médica:

Mandaram chamar um médico da vizinhança. Era um desses que visitam os doentes correndo, que confundem a doença que acabaram de ver com a que estão examinando, que exercem uma cega rotina em uma ciência à qual nem toda a maturidade de um espírito são e prudente poderá tirar seus perigos e incertezas. Agravou o mal com uma precipitação em prescrever um remédio em moda da época. Há modas até na medicina! Essa mania era bastante comum em Paris. [...] Mandaram chamar outro médico. Este, em lugar de ajudar a natureza e deixá-la agir em uma jovem criatura cujos órgãos a induziam para a vida, só se preocupou em contrariar o seu colega. Em dois dias a doença tornou-se fatal. (O Ingênuo - 1767)

O texto acima destaca a importância de valorizar a individualidade de cada paciente. Certamente, o caminho para a cura é o tratamento não somente da doença, mas do doente.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Distonia Oromandibular Idiopática / "O Bocejador" de Brueghel

A síndrome de Brueghel ou distonia oromandibular idiopática é uma condição neurológica que acomete principalmente homens na sétima década de vida. A síndrome é caracterizada por espasmos dos músculos perioculares associada com espasmos severos da metade inferior da face, mandíbula e músculos da região cervical. Vêem-se movimentos anormais da boca, língua e mandíbula. A condição pode ser agravada pelo comer ou falar.

A pintura O Bocejador de Pieter Brueghel mostra a face de um homem com a boca aberta e as pálpebras fortemente cerradas. Segundo os historiadores da arte, esta pintura retrata somente um bocejo:

O Bocejador (1564). Pieter Brueghel. Museu Real de Belas Artes (Bélgica).

A distonia do nervo motor trigêmeo produz uma boca amplamente aberta, simulando um grande bocejo. Em 1976, Madsen creditou a R.E. Kelly a observação da semelhança desta pintura com a síndrome da distonia oromandibular e blefaroespasmo e sugeriu o epônimo de síndrome de Brueghel.

REFERÊNCIAS:
1.Carvalho, RM; Gomi, C. Tratamento do blefaroespasmo e distonias faciais correlatas com toxina botulínica - estudo de 16 casos. Arq. Bras. Oftalmol. vol.66 no.1 São Paulo Jan./Feb. 2003.
2.Roberto Cano de la Cuerda, Susana Collado-Vázquez ;“Deficiencia, discapacidad, neurología y arte”; Rev Neurol 2010; 51 (2): 108-116
3. Sociedade Brasileira de História da Medicina - A Neurologia na Arte

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Acondroplasia na Arte / "Retrato de Sebastián de Morra" - Diego Velázquez

Durante o século XVII, os monarcas europeus mantinham anões em sua corte como fonte de diversão. Considerados “raras atrações” nos eventos da realeza, os anões eram comprados e vendidos em toda a Europa. Era costume oferecê-los como presente; em algumas ocasiões, eram eles enfeitados com diversos ornamentos, adornados com jóias e ouro e, assim, apresentavam-se em cerimônias do Estado e nas ocasiões festivas.

A simpatia de Diego Velázquez com os anões da corte é óbvia. Em 1645 ele pintou o Retrato de Sebastián de Morra, registrando na arte a figura de um anão que servia de diversão para o Príncipe Baltazar Carlos na corte espanhola de Felipe IV.


Retrato de um Anão Sentado no Chão, ou O Retrato de Sebastián de Morra (1645). Diego Velázquez (1599-1660). 106x81cm. Museu do Prado (Madrid).

Uma mutação no receptor do fator de crescimento do fibroblasto tipo 3 (FGFR3), é a responsável pela mais freqüente displasia esquelética de membros curtos, a acondroplasia, que altera o crescimento afetando a ossificação endocondral.

As características físicas de Sebastián De Morra – a baixa estatura, os membros curtos com predomínio proximal, macrocefalia, macrocrania com bossa frontal e a depressão da ponte nasal – sugerem fortemente o diagnóstico de nanismo acondroplásico.

Velázquez, que procurava transmitir em suas pinturas não apenas a imagem pictórica, mas também o retrato psicológico das pessoas, pintou De Morra com uma expressão dramática, grave e triste, contrastando com a sua profissão de palhaço. Os punhos cerrados apertados contra a cintura fazem-lhe parecer desafiador, em denúncia do tratamento de si mesmo e dos outros anões. O olhar irritado e intenso de De Morra é suficiente para convencer o telespectador de que ele detestava o seu papel, pois queria ser considerado como o ser humano que era, e não como o brinquedo, como o tribunal queria.

LEIA TAMBÉM:

Cretinismo na Pintura / "O Anão Francisco Lezcano" - Diego Velázquez

REFERÊNCIAS:
1.Adelson, Betty M. The Lives of Dwarfs: Their Journey from Public Curiosity Toward Social Liberation. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 2005. 154-161.
2. LIMA, R; SILVA, MC. “Acondroplasia: revisão sobre as características da doença.”. Arq Sanny Pesq Saúde 1(1):83-89, 2008.


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dia Mundial de Luta Contra a AIDS

No dia 1° de dezembro é comemorado o Dia Mundial de Luta Contra a AIDS. Essa data foi instituída como forma de despertar nas pessoas a consciência da necessidade da prevenção, aumentar a compreensão sobre a síndrome e reforçar a tolerância e a compaixão às pessoas infectadas.

A cada ano, diferentes temas são abordados, destacando importantes questões relacionadas à doença. Em 2011, a campanha dará enfoque nos jovens gays de 15 a 24 anos. A ação busca discutir as questões relacionadas à vulnerabilidade ao HIV/aids, na população prioritária, sob o ponto de vista do estigma e do preconceito. Além disso, a ideia é estimular a reflexão sobre a falsa impressão de que a aids afeta apenas o outro, distante da percepção de que todos estamos vulneráveis.

Viver a realidade da AIDS, despindo-a de sua carga de hipocrisia, foi a derradeira tarefa a que se dedicou o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948 – 1996):

Voltei da Europa em junho me sentindo doente. Febres, dores, perda de peso, manchas na pele. Procurei um médico e, à revelia dele, fiz O Teste. Aquele. Depois de uma semana de espera agoniada, o resultado HIV positivo. [...] A vida me dava pena, e eu não sabia que o corpo (“meu irmão burro”, dizia são Francisco de Assis) podia ser tão frágil e sentir tanta dor. Certas manhãs chorei, olhando através da janela os muros brancos do cemitério no outro lado da rua. Mas à noite, quando os néons acendiam, de certo ângulo a Doutor Arnaldo me parecia o boulevard Voltaire, em Paris, onde vive um anjo sufista que vela por mim. Tudo parecia em ordem, então. Sem rancor, nem revolta, só aquela imensa pena de Coisa Vida dentro e fora das janelas, bela e fugaz feito as borboletas que duram só um dia depois do casulo. Pois há um casulo rompendo-se lento, casca sendo abandonada. (Caio Fernando Abreu, 1994).

Publicado em 18 de setembro de 1994 no jornal O Estado de São Paulo, o depoimento acima é uma prova de sua coragem. Antes de falecer, Caio Fernando Abreu viveu por 2 anos dedicando-se inteiramente a tarefas como jardinagem, cuidando de roseiras. “A vida grita. E a luta continua.” Com essas palavras termina o histórico texto. E com elas, prossegue a batalha contra a AIDS.

REFERÊNCIAS:
1.
Dia Mundial de Luta Contra a Aids
2.SCLIAR, Moacyr, "A Paixão Transformada", Companhia das letras, São Paulo, 1996.