segunda-feira, 19 de julho de 2010

Tuberculose na Literatura Russa

Ninguém se salva sozinho. F.M.Dostoiévski

Em “O Idiota” o escritor russo Dostoiévski criou um personagem que sofria de uma grave doença pulmonar. São-nos bem conhecidas as caracteristicas clínicas conseguintes à infecção por Mycobacterium tuberculosis. Observando a descrição dos sintomas de Hipólito, dentre eles: tosse persistente, hemoptise, mal-estar generalizado, fraqueza, febre, sudorese noturna, calafrios, extrema palidez, prostração, etc; percebemos claramente que estamos diante de um caso de tuberculose pulmonar:

“Hipólito chegou. E tão fraco e cansado que se atirou sobre uma poltrona, sem pronunciar uma palavra, literalmente prostrado, logo desandando a tossir de maneira sofrida até vir sangue. Seus olhos emitiam chispas e duas rosetas rubras lhe tingiam as faces [...] Sua inquietação era quase convulsiva, e tinha a fronte pelada de suor... Sua inquietude provinha mais da febre do que da aglomeração [...] Os dentes do rapaz rangiam, como se o acometesse um calafrio [...] Lívido, Hipólito levou quase um minuto calado, com a respiração presa. Por fim, retomado o fôlego, pronunciou, com tremendo esforço...": “Nesse ínterim, segurei a maçaneta da porta para me ir sem lhe responder, mas estava sem fôlego, eu próprio, e a minha atrapalhação provocou tal acesso de tosse que mal me pude suster. Creio que levei tossindo uns três minutos ou mais [...] Procurei uma cadeira, fiquei quase sem poder tomar fôlego, respirando com muita dificuldade [...] Tal visita me cansou demais e não me senti nada bem aquela manhã, de tardinha me senti tão fraco que me estirei na cama, acometendo-me acessos de febre com rajadas de delírio

CONFISSÕES DE UM CONDENADO À MORTE

O texto abaixo, de beleza literária rara, discorre sobre o tempo em que a tuberculose, devido ao seu caráter extremamente agressivo e a falta de tratamento eficaz, era considerada incurável. Muitas vítimas pereciam por conta da moléstia. Foi nesse ambiente que Dostoiévski escreveu sobre o jovem Hipólito, personagem que aos 18 anos padecia da enfermidade, para traduzir a dor e a desesperança provocada pela tuberculose, à época equivalente a uma condenação. Algumas frases proferidas por Hipólito nos mostram o desespero de alguém que, ainda com sede de viver, descobre quão pouco tempo resta-lhe de vida:

“Não esquecer o pensamento: Não estarei maluco nesse instante, ou melhor, nesses minutos? Já me asseguraram, positivamente, que doentes como eu, em seu último estágio, perdem a cabeça por uns tempos [...] Mas é isso certo? É verdade que a minha natureza já se deixou vencer? Se eu for torturado por alguém, agora, naturalmente que ainda darei gritos, vociferarei e não direi que é indiferente sofrer só porque tenho duas semanas de vida [...] A idéia, prosseguiu ele, de que não vale a pena viver poucas semanas começou a me vir seguramente há um mês, quando eu dispunha apenas desse mês para viver [...] Admirei-me de te podido viver seis meses sem que ela me tivesse vindo antes. Estava farto de saber que não havia possibilidade de cura. Quanto a isso, nunca procurei me enganar. Compreendia a minha situação, claramente. Mas a verdade é que quanto mais claramente a compreendia mais desejo tinha de que a minha vida se prolongasse. Agarrei-me à vida, queria viver apesar de tudo [...] Conheci um pobre diabo que depois (segundo me contaram) morreu de fome. Quando vim a saber, fiquei furioso: minha vontade era ressuscitá-lo, se eu tivesse tal dom, somente para o executar, pois não se deve deixar-se morrer por tão pouco! [...] Que vontade que me vinha de me ver solto na rua, apenas com os meus dezoito anos, sem roupa, sem teto, completamente abandonado e só, sem trabalho, sem parentes de qualquer espécie, largado numa grande cidade, sentindo fome, desdenhado mas com saúde, pois então haveria de mostrar a todos... Que é que eu poderia mostrar? [...] Fique o mundo sabendo que Colombo foi feliz não quando descobriu a América mas sim quando a estava por descobrir."

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